Pandemia e Infância roubada

Preocupação desse tempo investindo na própria carreira e se realmente vai valer em pena em algum momento, haja vista essa sensação latente de que esse espaço-tempo pandêmico não vai passar tão cedo. Sem falar a sensação de que de alguma forma a primeira infância de minha bebê foi roubada, não pelo vírus em si, mas por essa gente que sem a exata noção do quão grave é nossa situação, insiste em fingir que nada está acontecendo.

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Ninguém além de nós mesmas sabe o quão desafiador pode ser maternar nesses tempos de insegurança e incertezas. E certamente um dos maiores desafios é encontrar tempo para lamber as próprias feridas. 

Março chegou e estamos prestes a completar 1 ano de pandemia. Quando tudo isso começou, por aqui sabíamos que perduraria e lá no começo eu dizia que no Brasil seria muito pior do que no resto do mundo. Achava que sociologicamente o Brasil tinha feridas purulentas piores até que os países mais pobres e sabia que o desgoverno e a falta de gestão seriam intensificadores de nossa pandemia tupiniquim. Mas em nenhum momento eu havia pensado que chegando a um ano de pandemia ainda estaríamos assistindo nosso povo discutindo a viabilidade do uso de máscaras, algo extremamente pacificado em todo o planeta. Daí, como cidadã, mulher, pessoa física no mundo, a angústia de estarmos diante desse disco riscado com esse som horroroso ecoando em nossos ouvidos há um ano, não resta tempo pra um dia sequer de descanso. Um bebê de 1 ano e 6 meses, riscando paredes, tentando descer de todos os sofás e camas, indo escondido pra piscina de plástico que compramos pra enfrentar o novo lockdown que impusemos a nós mesmos diante da ausência de gestão governamental, a hora do Tetê, a hora do banho, escovar os dentes, trocar de fralda de novo porque ela se sentou novamente no molhado, preocupação com as calorias consumidas, se bebeu água, se fez cocô, se a higiene está ok, se as unhas foram cortadas, se a franja está grande demais encobrindo os olhos, mas também preocupação com como se reinventar pra levantar mais uma grana, como se organizar pra enfrentar o trabalho diante de um medo terrível de contaminação e uma saúde mental ainda em processo de cura, confesso. Preocupação com o mestrado e suas exigências burocráticas depois de ume exame de qualificação que foi um escalpelamento sem anestesia. Preocupação com as obrigações de um trabalho que nos quer presencial enquanto a gente não concorda e não tem a mínima condição pra isso.  Preocupação desse tempo investindo na própria carreira e se realmente vai valer em pena em algum momento, haja vista essa sensação latente de que esse espaço-tempo pandêmico não vai passar tão cedo. Sem falar a sensação de que de alguma forma a primeira infância de minha bebê foi roubada, não pelo vírus em si, mas por essa gente que sem a exata noção do quão grave é nossa situação, insiste em fingir que nada está acontecendo. A verdade é que ninguém além de nós mesmas sabe o quão desafiador pode ser maternar nesses tempos de insegurança e incertezas. E certamente um dos maiores desafios é encontrar tempo para lamber as próprias feridas. Que horas a gente pode se esconder na própria caverna e planejar uma estratégia de se organizar? Em qual hora do dia a gente consegue colocar as pernas pro ar e se dar ao direito de fingir que está tudo bem mesmo sem ter noção de quando isso será verdade de novo. Precisamos falar sobre esse impacto coletivo nas mães especialmente sobre quanto a saúde mental materna está prejudicada pela falta de tempo de curar nossas dores em meio a esse caos. Cuidar de uma criança enquanto vivemos nós mesmos esse emaranhado de medos. E eu questiono: quem cuida das mães? Ninguém além de nós mesmas sabe o quão desafiador pode ser maternar nesses tempos de insegurança e incertezas. E certamente um dos maiores desafios é encontrar tempo para lamber as próprias feridas.




Alianna Cardoso Vançan

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