Estupro e a morte do prazer
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Senta que vai ser longo! Nos últimos dias a internet se revoltou com o caso Mariana Ferrer. As revoltas escalonaram quando "The intercept Brasil" obteve acesso a trechos da audiência, na qual a vítima era claramente subjugada, agredida verbalmente e desacreditada. O cenário foi de embrulhar o estômago no momento em que a Mariana foi tirada do papel de vítima e passou a ocupar lugar de criminosa, culpabilizada pela violência que ela mesma sentiu. Esse cenário se repete diariamente a âmbito nacional. Mulheres decidem não denunciar por saberem que enfrentarão uma justiça despreparada, disposta a questioná-las, desacreditá-las e, finalmente, não dar seguimento ao processo. Os exames são invasivos, exigem marcas de violência, mesmo estudos apontando que a reação automática do corpo é paralisar e esperar o abuso passar, vítimas são expostas a dez, quinze interrogatórios enquanto a ferida ainda está aberta. Escorrendo. Queimando.
"Tu vai acabar com a vida dele, realmente quer processar?"
E elas recuam.
"Tu estava bêbada. No mínimo tu queria e agora diz que ele forçou."
E elas recuam.
"Eu conheço ele, ele é um cara gente boa, tu deve estar inventando história pra chamar atenção."
E elas recuam.
Pra, finalmente, "assume que tu gostou. Pelo menos um pouquinho de prazer tu sentiu" e é aqui onde eu começo a me encaminhar aonde eu quero chegar. Estupro é a morte do prazer! Estupro não é sobre gozar, é sobre poder!
Pensem no regime carcerário: presos estupram para subjugar outros presos. Os abusados não são os mais bonitos, com as roupas mais coladas, com mais ou menos músculos. Os estupros acontecem para domar, humilhar, mostrar qual é o lugar de quem. Um manda, outro obedece.
De novo, estupro é relação de poder. Entranhado na sociedade patriarcal que delega ao homem o lugar de gênero superior. Dono, inclusive, do corpo da mulher.
Agora vou abandonar a linguagem formal pra falar diretamente contigo leitor. Tu, enquanto homem, já parou pra pensar em qual o teu papel nessa história toda?
Eu vou pontuar algumas atitudes que são mais relevantes e eficazes a longo prazo do que postar em redes sociais que "estupro culposo não existe".
Primeiro eu preciso que tu entenda: o poder de mudar as engrenagens está nas tuas mãos. Nós (mulheres) podemos nos descabelar, gritar, seguir lutando incessantemente como lutamos, mas as mudanças históricas sempre dependeram de opressores passando a apoiar o lado oprimido. É necessário, e é urgente!
Eu preciso que tu fale com e para outros homens! Nós não temos acesso à cervejada que tu programa no final de semana. Mesmo tendo acesso, nós não temos voz ativa, então precisamos de ti enquanto aliado!
Tu se revoltou com a sentença do caso? Tu postou nas tuas redes que estupro culposo não existe? Ótimo, tu perceber isso já é um grande passo! Mas eu preciso que essa revolta gere uma atitude que realmente pode ajudar a mudar o sistema. Dá um toque pro teu parça que fica todo orgulhoso quando pega mina ‘bebassa’.
Sabe aquele outro parça que vive vazando nude das minas nos grupinhos? Não compartilha. Troca uma ideia com esse também! Será que ele já parou pra pensar que isso pode destruir a vida de alguém? Conversa de peito aberto e sem ridicularizar quando ele se abrir.
Tenta melhorar como homem, troca uma ideia com a tua melhor amiga sobre as dores que ela sente, se aproxima, tenta entender o lado de cá, mas melhora por ti, não pra ficar bem com as minas. Tenho vários amigos me relatando que ampliar a visão tem deixado as coisas mais leves (deve ser barra ouvir que tu tem que ser forte, prover, não chorar e ser de ferro o tempo todo). Melhora. Melhora e leva teus parças no trem!
Meu último conselho é pesadão, esse vai exigir mais esforço teu, mas acompanha a ideia! Pensa nos pornôs que tu assiste. Dentre eles, algum mostra o prazer da mulher? Prazer genuíno, nada de orgasmos falsos pra massagear o ego de ninguém. Ou todos são de caras metralhando, machucando, forçando e ridicularizando mulheres? Eu tenho quase certeza de que, se tu consome muito pornô, tu transa mal. Desculpa te contar isso, assim, de susto, mas se aquela é a tua referência, vai por mim, as minas só fingem que gozam (pra massagear teu ego igual nos pornôs). O prazer tá ligado à totalidade do momento, pelo menos pra nós, mulheres. "Sexo" não é quando tu termina, sexo é o todo.
São raríssimas as mulheres que gozam exclusivamente com penetração, então se o tu é um comedor graduado em 181972197 horas assistindo vídeo aulas no pornhub, te recomendo assistir mais minas falando sobre o prazer delas.
Aproveitando o embalo e para encerrar, acompanha minas, escuta minas, assiste minas. Passa a acompanhar o trabalho delas por admiração, sem a intenção de pegar ninguém! Assiste para aprender, para genuinamente entender. Só assim, comprando a briga, tu se torna realmente um aliado.
Teu posicionamento político não é garantia de que tu não é babaca, morô? Meu direct fica aberto para trocar uma ideia sobre todos esses assuntos. Espero que, depois desse texto, estejamos mais próximos do lado a lado.
Suelen Beltran Marini
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