Corpos Positivos

Encontrar a potencialidade dos corpos diversos. Esse é o meu lema, porque não penso somente nas pessoas com deficiência. Tinha em mente que a sociedade era encaixada num padrão e quem estava fora disso era excluído. De certa forma isso acontece, mas hoje também vejo que permitimos que isso aconteça.

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Eu nasci com uma deficiência chamada Mielomeningocele – má formação na coluna. Sempre pensei que não me questionava ou me comparava aos outros, sempre pensei ser independente disso. Junto ao amadurecimento comecei a enxergar como essa questão também me influenciou.

A diferença entre homens e mulheres não foi o principal questionamento. Eu queria mostrar de certa forma que pessoas com deficiência tem condições como qualquer outra pessoa, claro que tomando as proporções e adaptações de cada situação.

Encontrar a potencialidade dos corpos diversos. Esse é o meu lema, porque não penso somente nas pessoas com deficiência. Tinha em mente que a sociedade era encaixada num padrão e quem estava fora disso era excluído. De certa forma isso acontece, mas hoje também vejo que permitimos que isso aconteça.

O que você não fortalece não se desenvolve. Por muito tempo inconscientemente dei poder para esse pensamento.

Eu sempre fui estimulada pelos meus pais a fazerem tudo que tinha vontade, mas encontrava dificuldades. Ao mesmo tempo que desafiava isso em outras pessoas, perseverava em algumas crenças.

Eu queria dançar desde criança e não encontrava profissionais com vontade de sair do comodismo ou com capacitação para trabalhar com esse corpo. Por mais que nunca desisti dos meus objetivos, acabava postergando alguns por limitações da mente. Pegando essa situação como exemplo, eu poderia ter sugerido a esses professores com quem tentei a possibilidade de fazer testes e adaptações. Muito do que faço na minha vida é tentar. Se gosto e dá certo continuo, se não consigo deixo ou tento novamente mais para frente, mas no passado eu não tinha essa atitude porque sempre ouvia que pessoas com deficiência não dançam.

Outra questão que sempre ouvi conforme fui chegando na adolescência e fase adulta que o ideal era fazer a graduação em administração e em áreas afins pela minha condição e entrei nesta situação. Claro que tudo que passei e tentei serviu como aprendizado nem que seja para ver que isso não é o que quero ou que usarei esse curso de uma forma não esperada pela maioria.

Chegou o momento de trabalhar e fui atrás de empresas, industrias para trabalhar na área administrativa como sempre ouvia. Já tinha conhecimento sobre a lei de cotas e nunca tive problema em ser contratada por esse motivo, o que me incomodava além de estar onde não queria, mas não tinha essa consciência na época é que as empresas contratam PCD’s pela lei, mas não enxergam o que ele pode dar de melhor. Todo ser humano tem pontos positivos e negativos. Acredito que isso tenha evoluído nos tempos atuais, sobretudo na época éramos contratados para função mais simples do local ou setor e consequentemente o menor salário. Começar debaixo não é o problema, o que não gostava era mostrar resultado e nunca ser promovida para um patamar melhor e salário mais altos. Somente o dissídio.

Como minha mãe falava em algumas situações: mulher e deficiente. Duas situações que nem sempre são valorizadas como deveria. No quesito mulher penso que as vezes lutamos para se igualar aos homens e hoje estamos sofrendo por isso. Eu concordo que os direitos e deveres devem ser iguais. Mesmo assim não somos iguais. Cada um tem seu jeito de ser, por esse motivo não fomos feitos iguais.

Voltando para mim, a questão mulher não me incomodava, mas a diferença por minha deficiência sim. Coloquei na minha mente que deveria ser melhor que qualquer pessoa e que não poderia mostrar meus sentimentos. Para provar aos outros que podia sempre mostrei o meu sorriso e conquistava os outros pela inteligência e ânsia por saber mais. Querendo me tornar uma máquina. Como que um ser humano não tem dias difíceis, impossível. A teoria de como estar bem e fazer o melhor sempre ensinei aos outros, mas não aplicava para mim. Não me permitia sofrer, bloqueie meus sentimentos. Desta forma queria sempre estar me aprimorando, inglês, graduação, fazer a carteira de motorista (mostrar que podia mesmo não gostando de dirigir – hoje vejo que tinha outras formas de conseguir minha independência), muitas atividades físicas, cursos variados, não paro nunca.

Quando surgia a oportunidade de promoção queria ter a minha oportunidade e também não tinha atitude de pedir. Ficava chateada por não conseguir. Quando mudei e vi a necessidade de me impor para conseguir o que queria, vi que não tinha chance pela deficiência e hoje também tenho certeza que era porque não estava no meu propósito de vida.

Na dança quando tive oportunidade até chegar ao patamar de ser uma profissional na área e me considerar como tal me cobrei muito. Quis aprender muitos estilos de dança que mesmo gostando, hoje enxergo a cobrança que tinha porque só queria a perfeição e a técnica. O caminho a ser percorrido nunca considerei em nada. Tanto que hoje que estou mais relaxada em relação a tudo isso e descobri meu propósito, consigo entender o que ouvi no passado com outros ouvidos. “Por que você se deixa ser pisada, você tem que criar sua dança, não procurar um padrão, mais interessante do que uma ótima técnica é o sentimento ou legado que deixa no caminho ou nas pessoas tocadas”. Estou muito feliz nas minhas imersões corpos diversos, consultorias, palestras, capacitações. Usando o curso de administração de alguma forma, graduada em dança, pós-graduada em neuropsicopedagogia com ênfase na educação inclusiva.

Quando entrei para o mundo que sempre quis comecei a buscar referências. Eu sempre encontrei a beleza onde as vezes não olhavam, mas nem sempre admitia. Outra questão que me bloquei por um tempo. Sempre procuro integrar todas as pessoas (deficientes, mulheres, LGBT, gordos, magros, negros, etc) porque procuro a essência e potencialidade destas pessoas e não só uma característica.

Algo que ainda preciso melhorar é quem sempre sou marqueteira dos outros e isso engloba essa diversidade e as vezes esqueço a mim. Estou no processo de libertação. Com um grande passo dado.

Outro ponto que percebi e estou trabalhando para evoluir é que sempre dancei usando muito pouco o toque. Principalmente o toque do meu corpo, ignorando ele por estar fora do padrão.

Sim a sociedade marginaliza pessoas fora do padrão esperado ou hoje em dia usam isso como marketing com interesse e para se promover. Não vejo problema neste interesse porque todos nós sempre fazemos algo esperando em troca, o ganha-ganha. O que me incomoda quando isso é falso e superficial. Ao mesmo tempo hoje com meu autoconhecimento vejo que isso acontece porque permitimos e precisamos mudar isso. Como diz uma especialista em física quântica, as pessoas que aparecem na nossa vida com o objetivo da marginalização são bonecos ou situações que a vida nos coloca para nos testar. Ir para um mundo de evolução e cada um tem seu tempo para isso acontecer.




Roberta Spader

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